Sirlene frequentou alguns encontros de gestantes em Niterói e realizou dois cursos comigo. Tinha diversos planos para o parto e também para doação/armazenamento do sangue o cordão umbilical de Miguel para o INCA, mas encontrou muitas burocracias nas maternidades para a realização do processo.
Dos planos pro parto, sabíamos que nem tudo que desejávamos seria fácil de conquistar, pois Sirlene não teve como escolher sua equipe, discutir plano de parto e tudo mais.
Sirlene me ligou bem cedinho, em trabalho de parto, com dúvidas do momento de ir para a maternidade e perguntei se queria minha companhia. Ela disse que sim e fomos juntas! Chegando lá, início de trabalho de parto, 3 cm de dilatação e indicação de internação. Não concordei e disse isso pra Sirlene, pois achava que era muito cedo e íamos ficar muito tempo ali. Tentamos negociar com a médica obstetra e foi terror por todo lado. Seu filho pode nascer na rua! Você só tem 3 cm, mas seu bebê é pequeno, sua bacia é muito boa, essas coisas... Não tivemos como sair.
A maternidade tem um bom atendimento, internação em quarto individual, fisioterapeuta com bola de pilates, essas coisas. É conhecida como uma maternidade pública que esta se "humanizando", mas, infelizmente, quase todos os protocolos são os mesmos das outras: jejum total (até de água num calor de 40 graus), soro para hidratação, soro com ocitocina para acelerar o trabalho de parto, transferência para o centro cirúrgico na hora do bebê nascer, posição ginecológica (com perneiras) para parir, comandos de força "de cocô" para ajudar a saída do bebê, episiotomia por acreditarem que os períneos não aguentam a passagem do bebê e todas as intervenções pediátricas feitas logo após o parto, nos primeiros minutos de vida.
Tem coisas boas e razoáveis também: incentivam a mulher a caminhar durante o trabalho de parto (carregando seu kit ocitocina, claro), uso de chuveiro à vontade, deixam o bebê (alguns minutos, infelizmente) sobre o corpo da mãe logo após o parto e incentivam a amamentação na primeira hora de vida, quando a mãe já foi transferida para a enfermaria.
Por fim, nossa internação durou 8h30. E durante quase 8 horas conseguimos negociar de tudo. Pedimos gentilmente a retirada do soro (que foi colocado logo que pisamos no quarto), o que foi aceito pela médica. Pedimos para usar a bola de pilates que levamos e assim fizemos, usando a bola no quarto e no chuveiro, caminhadas e reboladas, óleos de massagem que perfumaram também o ambiente e um celular tocando músicas escolhidas por Sirlene. Tudo evoluindo bem. A cada avaliação, bebê ótimo e dilatação progressiva. Nos deixaram em paz porque, além de não darmos trabalho nenhum, nosso métodos "estranhos e naturais" (risos) funcionavam.
Aproveitamos e pedimos à médica para Sirlene parir em posição mais vertical e sem uso de episiotomia. Ela falou que apesar de "cortar todas as mulheres" e achar que isso é o melhor, que respeitava as escolhas. Foi tudo indo tão bem que, com dilatação quase total, a médica perguntou à Sirlene se ela queria parir no quarto! Yes, que felicidade! Até que o finalzinho do trabalho foi chegando e Sirlene começou a ficar cansada, tensa, mas seguramos a onda. E, infelizmente, chegou uma outra médica para a avaliação e disse que não concordava com o parto no quarto, pois a cama (uma cama PPP*) não era "boa pra fazer força" e também não prometia que não faria nenhuma intervenção ou manobra, pois podia ser necessário. Quis fazer o toque e Sirlene não gostou. Perguntou: de novo? e ela: como é que eu vou saber se o seu bebê já pode nascer?? (affe!). E fez. Dilatação total, colo fininho. Bebê faltava descer um pouco. Mas para ela já era o suficiente. Começou o terror de que entendi que queríamos as coisas mais naturais, mas que precisávamos ajudar. E que era hora de começar a forçar (mesmo sem vontade, mesmo sem ser a hora de mãe e bebê). E ponto. Começa a fazer força agora. Simples assim. E em duas tentativas, enjoou da brincadeira e chamou a outra médica, convencendo-a de que a cama não era mesmo boa. Transferência. Agora! Acabou a festa! Vistam toda a roupa. Mudam as expressões e vira tudo um momento de urgência. Sirlene começou a desesperar. Fez o caminho para o centro cirúrgico como quem vai para um lugar medonho e desconhecido. E de fato era.
Quando entramos no bloco e Sirlene viu a "cama" que teria que subir (muito alta, perfeita para intervenções sem a equipe ter que se curvar), chorou. Não queria. E foi intimada. Nisso, já éramos mais de 10 no mesmo local. Deita, coloca as pernas nas perneiras (de metal, geladas), levantam sua cabeça. Força de cocô. Força, pára, concentra, ajuda. Seu períneo é muito justo. Vai rasgar. Pega o bisturi e corta, com prazer. Depois a tesoura. Força até nascer e chega Miguel, lindo, saudável, ativo. Ufa! A mulher sofre mas vale à pena, né? - perguntam. Ô se vale!
Saio com dó, caminhando pelas ruas, após ter parabenizado a guerreira Sirlene e sua família que ficou lá, aguardando, desde o início do processo. Todos estão gratos também. E felizes. Minha dor é por ser batizada no sistema. Foi a primeira experiência desse porte. E desabei em lágrimas na madrugada, angustiada, botei para fora. Triste por não saberem deixar uma mulher parir sozinha, no seu ritmo, em paz. Entendo, não sabem fazer isso. Não têm essa capacidade, não aprenderam assim. Feliz por Sirlene estar bem, apesar das dores físicas e as mais íntimas, que poucos entendem.
Feliz também por ter torcido para Sirlene conseguir a alta no dia 28, dia de seu aniversário, e ela ter ganhado esse presente! E do dr. Rodrigo Viana, que perguntou sobre sua experiência e tudo mais. De lavar a alma!
E nos corredores dos hospitais, ficamos famosas: a moça que teve doula e a doula abusada que queria manda na médica. Um absurdo! Ok, fazer o quê? Paciência - música do Lenine que Sirlene pediu pra ouvir durante o trabalho. Linda!
Agradeço muitíssimo à Sirlene e sua família pela honra de estar junto nesse momento e por essa experiência. Sou grata, de coração.
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